• ESTRATOS SOBRE ANGOLA - 50 ANOS DE AUTONOMIA POLÍTICA NA VISÃO DE FILIPE ZAU


    No âmbito das comemorações dos cinquenta anos da independência de Angola, o Ministro da Cultura, Filipe Zau, apresentou um discurso que transcende a celebração cronológica para propor uma reflexão profunda sobre a história africana, os seus silêncios forçados, e a urgência de uma consciência crítica e restauradora.

    Na abordagem sobre Angola - 50 anos de Autonomia Política, começou por destacar o papel actual de Angola no cenário africano e internacional, sublinhando a liderança do Presidente João Lourenço enquanto “Campeão da Paz” da União Africana. O país assume, no presente, o compromisso de colocar em evidência temas estruturantes, como a justiça reparatória, o que serve de ponte para o mergulho histórico que se segue.

    Filipe Zau propõe uma leitura crítica da construção da imagem de África ao longo dos séculos, revelando como filósofos e pensadores europeus, como Hegel e Gobineau, contribuíram para uma visão distorcida, racista e desumanizante do continente. A desconstrução desse imaginário colonial passa pela valorização de autores africanos e afrodescendentes, como Cheikh Anta Diop e Valentin Mudimbe, que revelam uma África civilizada, organizada e milenar, anterior à colonização e ao tráfico de escravos. Evoca-se a grandeza do Egipto Antigo, do Império do Mali, de Timbuktu e do Reino do Kongo como referências apagadas ou subestimadas pela historiografia ocidental.

    O discurso entra então numa fase mais dolorosa, quando o autor recorda os horrores do tráfico transatlântico e a dimensão brutal da escravatura com Angola como um dos principais territórios de fornecimento de mão-de-obra escravizada. Filipe Zau sublinha que a escravatura africana foi um crime de dimensões globais, responsável por desestruturar sociedades inteiras, e que os países colonizadores ainda hoje devem uma reparação moral e material à África. Cita inclusive recentes discursos de figuras como o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que reconhecem essa dívida histórica, embora sem ainda se traduzir em acções concretas.

    A análise estende-se ao presente, com uma crítica subtil mas firme ao modelo neoliberal, que impôs ao continente africano e a países como Angola a substituição de políticas sociais por programas de mercado, exacerbando desigualdades. A cultura, a educação e a memória tornam-se assim armas de resistência frente à hegemonia de uma globalização económica que obscurece a identidade e as necessidades dos povos.

    Na parte final, o discurso revisita o percurso do nacionalismo angolano, desde os primeiros grupos associativos na diáspora africana em Portugal até às organizações políticas que emergiram dentro e fora do território nacional, como a JDDA, a Liga Africana, a Liga Nacional Angolana, a Anangola, a CEI, a CMA, entre outras. A formação dos grandes movimentos como MPLA, FNLA, UNITA, é contextualizada num ambiente de vigilância, repressão e conflitos internos, onde o sonho de liberdade era muitas vezes sufocado por divisões e interesses externos. A guerra que se prolongou por décadas é retractada como um processo de luto colectivo, mas também como uma travessia que culminou na paz alcançada em 2002.

    Filipe Zau conclui com uma exortação à responsabilidade das gerações actuais: preservar a paz conquistada, cuidar da memória histórica e trabalhar com consciência e esperança para garantir um futuro digno. O futuro de África, segundo ele, não pode mais depender das lentes alheias, mas do compromisso de seus próprios filhos. A autonomia política, celebrada hoje, precisa continuar a ser defendida com inteligência, cultura, unidade e justiça.

    ZAU, Filipe. 50 ANOS DE AUTONOMIA POLÍTICA.
    Conferência apresentada
    no Centro Cultural Manuel Rui,
    14.Jul.2025, Huambo.

    CCMR

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