O Centro Cultural Manuel Rui acolheu, no passado 17 de Setembro, o Acto Provincial do Dia do Herói Nacional, uma jornada de reflexão dedicada à vida e obra do primeiro Presidente de Angola, o Dr. António Agostinho Neto.
A sessão contou com a intervenção de Gregório Tchikola, convidado especial e prelector do acto, que trouxe aos presentes uma abordagem envolvente sobre a figura poliédrica de Neto. “Poliédrica quer dizer multifacetada. Podemos falar de Neto enquanto político, diplomata, soldado, comandante, escritor… tantas dimensões que vinte minutos são um desafio, quando na universidade costumo dedicar seis meses a este estudo”, afirmou, em tom descontraído.
Na sua explanação, o orador destacou elementos essenciais para compreender o percurso político e literário de Neto. Recordou o ambiente de profundas transformações políticas e sociais em que nasceu, a 17 de Setembro de 1922, em Caxicane, no Icolo e Bengo, sublinhando o papel da família na sua educação. Filho de Agostinho Pedro Neto e de Maria da Silva Neto, cresceu numa casa marcada pela fé metodista e pelo estatuto de “angolanos assimilados”, circunstância que lhe permitiu uma formação distinta para o contexto da época.
Desde cedo revelou inteligência precoce, escrevendo e ensinando os irmãos, até ingressar no Colégio Salvador Correia, em Luanda, onde o contacto com o pan-africanismo e com a literatura de Alfredo Troni e Cordeiro da Mata moldaram a sua poesia. Influenciado ainda por José da Silva Maia Ferreira, Neto desenvolveu uma escrita profundamente enraizada na ligação à terra e à figura materna, temas que atravessariam toda a sua obra.
Mais tarde, em Lisboa, na Casa dos Estudantes do Império, conviveu com Mário Pinto de Andrade, Amílcar Cabral e outros intelectuais africanos, enquanto o contacto com Frantz Fanon e Aimé Césaire ajudava a consolidar a sua consciência política. A poesia de Neto tornava-se combativa, inspirada no marxismo e no pensamento de Lenine, traduzindo uma literatura de combate que denunciava a exploração colonial.
Apesar das perseguições, prisões e exílios vividos nos anos 1950 e 1960, Neto viu crescer a sua popularidade e, em 1963, já se afirmava como um dos rostos mais proeminentes do futuro de Angola, num contexto em que a Organização da Unidade Africana (OUA) ganhava espaço no continente.
Gregório Tchikola lembrou ainda a relevância de obras como A Noite, Aspiração e Sagrada Esperança, onde a luta política se entrelaça à dimensão humana do poeta. Ressaltou igualmente a vida familiar ao lado de Maria Eugénia Neto e os desafios que enfrentou, sempre firme na missão de conduzir Angola à independência.
“O estudo de Agostinho Neto exige coerência. Não podemos reduzi-lo a críticas simplistas. É preciso ler os textos, compreender o contexto histórico e perceber a sua verdadeira dimensão poliédrica”, frisou o orador.
A sessão terminou com a reafirmação do legado de Neto como figura maior da história de Angola e de África, cuja poesia e liderança continuam a inspirar gerações. O Centro Cultural Manuel Rui reforçou, assim, o seu papel enquanto espaço de memória, reflexão e valorização da identidade nacional, no quadro das comemorações dos 50 anos de Independência.